sexta-feira, 8 de junho de 2012

'Gonzaga é a metáfora do Nordeste rural', diz biógrafa do Rei do Baião


Francesa Dominique Dreyfus está no Recife para debater vida do artista.
Projeto 'Jornadas Gonzagueanas' faz parte da agenda junina do Recife.

 

No São João em que o Recife celebra o centenário de Luiz Gonzaga, o arrasta pé abre espaço para debates com parceiros e estudiosos da história e obra do Rei do Baião. O projeto Jornadas Gonzagueanas acontece nesta sexta-feira (08) e sábado (09), na Livraria Cultura, no Paço Alfândega, com entrada gratuita. Entre os convidados, a francesa Dominique Dreyfus, considerada “autoridade” no assunto por escrever a mais completa biografia do sanfoneiro, onde há várias curiosidades sobre o artista.

A pesquisadora, jornalista e cineasta lançou, em 1997, pela editora paulista 34, o livro “A Vida do Viajante: A saga de Luiz Gonzaga”. Antes que você se pergunte: “o que essa francesa tem a ver com Luiz Gonzaga?”, respeite Dominique! Ela é livre-docente em Letras e Literatura pela Universidade Paris I (Sorbonne), trabalhou como repórter, editora e diretora de revistas e programas especializados em música, colabora para conceituadas publicações de arte sul-americanas e acabou de virar doutora em música popular brasileira.

Á-bê-cê no interior
 
Além desse gabarito acadêmico e profissional, ela passou a infância e parte da adolescência entre Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, Olinda e Recife. Mudou-se com a família da França para o Brasil para ficar longe da 2° Guerra que assolava a Europa. “A primeira música que eu aprendi a cantar, aos dois anos de idade, foi 'A todo mundo eu dou psiu' [Sabiá], de Luiz Gonzaga. Isso não me sai da memória”, relembra.

Seguindo novamente a família, retornou ao país natal e só colocou de novo os pés no Brasil passada a ditadura militar. Aproveitou e comprou vários discos de Luiz Gonzaga. “Em 1985, ele foi convidado a participar de um festival em Paris, que eu fui cobrir. Na terceira música, pediu para sentar, porque a sanfona pesava. Foi quando eu me dei conta que ele estava ficando velho e não havia nada aprofundado e com impacto nacional escrito sobre ele”, conta.

Óia eu aqui de novo
 
Dreyfus chamou a responsabilidade para si, arrumou as malas e começou uma série de entrevistas, que renderam mais de 100 horas de gravação. Conversou pessoalmente com Gonzagão, a quem destaca o charme, generosidade e bom humor, além de ter ouvido também outros parentes e amigos. Só lamenta o fato de não ter falado com Gonzaguinha e Sivuca, além de Zé Dantas e Humberto Teixeira, parceiros musicais, e Aluízio, irmão mais velho do sanfoneiro.
Porém, o rico material ficou “mofando” por seis anos na casa da jornalista. “Nenhuma editora francesa comprou a ideia alegando que ninguém na França conhecia Luiz Gonzaga, então me desanimei. Foi quando o [jornalista e crítico musical] Tárik de Souza me convidou para escrever a biografia dentro de uma coleção musical que a [editora] 34 ia lançar”, diz.

O fole roncou
 
Foram mais três anos para concluir o livro, lançado após a morte de Luiz Gonzaga, em 1989. Soube da notícia por meio de uma ligação do músico João Gilberto. No começo, ela confessa que ficou com medo da reação do público ao fato de uma estrangeira escrever sobre o músico, mas orgulha-se das boas críticas. “Acho que ficaram até com vergonha de nenhum brasileiro ter feito isso antes”, brinca.

"Minha intenção não foi contar a vida dele, mas captar o essencial para fazer o retrato justo daquele homem que era pobre, negro, analfabeto e sertanejo, tudo para não dar certo naquela época, e se tornou, nos anos 1950, a maior figura artística do Brasil, mesmo sem conseguir se despojar dos preconceitos. Ele é a metáfora do Nordeste rural”, complementa.
Dominique Dreyfus - biógrafa de Luiz Gonzaga (Foto: Luna Markman / G1) 
Dominique está no Recife para participar de debate
sobre a obra de Gonzaga (Foto: Luna Markman / G1)
Asa branca
 
A autora contou algumas curiosidades do artista extraídas de suas leituras e observações. “Ele nunca cuidou muito do Gonzaguinha [filho não biológico de Gonzaga]”; “Helena e Rosinha [mulher e filha adotiva de Gonzaga] eram racistas”; “ele não tinha apego ao luxo, dava dinheiro para todo mundo, sua casa era de uma simplicidade sinistra”; e “ele era muito mulherengo, nunca quis se casar, queria mesmo era sair viajando em turnê, jogando charme para todo mundo”, salpicou, durante a entrevista concedida no Recife.

Ela garante, porém, que Gonzaga não a paquerou, “mas se eu quisesse, acho que rolava”, ironizou. Uma passagem que Dominique ri até hoje é a visita de Luiz Gonzaga ao general João Figueiredo, presidente na época da ditadura militar. “Uma vez, consciente de que a asa branca estava sumindo no Nordeste, ele foi vestido todo a caráter e com duas aves nos ombros falar com Figueiredo sobre o assunto, mas foi expulso de lá”, fala.

Olha pro céu
 
Dominique Dreyfus garante que o sanfoneiro sabia da sua importância no cenário musical brasileiro, mesmo quando ele foi “atropelado” pela bossa nova. “Ele encarava com tranquilidade e até certo humor. Dizia que 'aquela' bossa nova acabou com todo mundo, que ninguém mais queria saber dele, mas que continuaria a fazer música para o povo dele.”

A autora aponta três tipos de legado do Rei do Baião: os clones, que só o copiam; os que pegam a tradição da sanfona e imprimem sua própria impressão, como Dominguinhos; e os que pegam o espírito de Gonzaga e enriquecem com as coisas que existem em sua época, como Renata Rosa e Lenine, de quem é fã. “Acho legal todos os casos. Gosto muito dessa atual geração de músicos nordestinos, como o Silvério Pessoa. Só não gosto desse forró estilizado, que para mim é de uma grande pobreza, não progrediu em nada”, ataca.

Além de Luiz Gonzaga, a autora também escreveu sobre a vida de um dos maiores violonistas brasileiros em “Violão Vadio de Baden Powell”, de 1999, também pela editora 34. Será que ela já tem em mente outro artista para biografar? “Pensei em fazer sobre [Dorival] Caymmi, mas neta dele, Stella, já estava fazendo. Tem pessoas interessantes por aí, mas que ainda não estão velhas o suficiente”, brinca.

Jornadas
 
Essas e outras histórias curiosas sobre a vida de Luiz Gonzaga vão entrar no repertório de Dominique Dreyfus na conversa que ela terá com o público no sábado (09), às 17h, ao lado do músico e etnomusicólogo Climério de Oliveira (PE). Antes, a partir das 15h, o historiador especializado em música Ricardo Cravo Albin (RJ) e o pesquisador Renato Phaleante (PE) participam da mesa "Baião na cidade grande", com mediação do radialista Saulo Gomes (PE).

Na sexta (08), a partir das 15h, quem abre as Jornadas Gonzagueanas são os músicos pernambucanos João Silva, Marcelo Melo, Onildo Almeida e Jurandy da Feira. Eles compõem a mesa de debate “Memorial dos parceiros”, relembrando os momentos vividos junto ao Rei do Baião.

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